Fechada a cafeteria Richmond, refúgio literário de Jorge Luis Borges.


As cadeiras elegantes de estilo inglês da cafeteria Richmond de Buenos Aires foram usadas por intelectuales, artistas e escritores argentinos, entre eles Jorge Luis Borges, mas agora, o histórico recinto está vazio, sem o ruído de vozes que se tornaram tão famosas, sem vida.
A legendária ′confitería`, como era chamada na Argentina, localizada na rua Florida, bem no centro da capital, fechou as portas num piscar de olhos, para dar lugar a uma loja de roupas desportivas de uma companhia americana.
Em 1920 e nos anos subsequentes, o poeta e ensaísta Borges, então com 25 anos, reunia-se aí com os demais escritores de sua geração, o grupo literário da Richmond, num verdadeiro ritual diário, a partir das sete horas da noite.
De pé, junto às mesas, cantavam a ária `La donna è mobile` da ópera Rigoletto de Giuseppe Verdi, substituindo a letra original por um hino próprio.
"Un automóvile, dos automóviles, tres automóviles, cuatro automóviles. Cinco automóviles, seis automóviles, siete automóviles, um autobus!", entoavam rindo.
Anos mais tarde, em seu romance Rayuela, o escritor argentino Julio Cortázar pôs um de seus célebres personagens `cronopios`, tomando café na tradicional confeitaria.
Os cronópios, segundo Cortázar, são criaturas verdes e úmidas, distraídas, e sua força é a poesia. Eles cantam como as cigarras, indiferentes ao cotidiano, esquecem tudo, são atropelados, choram, perdem o que trazem nos bolsos e, quando saem em viagem, perdem o trem, chove a cântaros, levam coisas que não lhes servem.
Incluída entre os 54 cafés notáveis de Buenos Aires, com valor patrimonial próprio, a Richmond foi ocupada na terça-feira por seus empregados, a maioria com mais de 30 anos de trabalho.
Os donos fecharam as portas de vidro com correntes e cadeados, levando de madrugada todos os móveis.
"Trabalho aqui há 40 anos e estou numa situação de desespero. Levaram tudo. Deixamos a Richmond na noite de sábado e na manhã de domingo estava fechada", lamentou o maître Luis Ángel.
Não houve nenhum aviso de fechamento aos demais 13 empregados.
"Este local é cheio de tradições e costumes. Foi frequentado por Borges, Leopoldo Marechal, Leopoldo Lugones, há muita história em suas mesas, além de ser um lugar de encontro dos portenhos", disse, pesarosa, Mónica Capurro, secretária geral da Comissão de Preservação do Patrimônio.
Capurro foi uma das incentivadoras de um abraço simbólico à cafeteria realizado na semana passada com o lema "Não ao fechamento da Richmond", mas nada conseguiu.
O parlamento a declarou patrimônio histórico, obrigando a ser preservada a fachada e o edifício em geral, mas não conservar suas funções.
"A Richmond era meu refúgio em pleno centro de Buenos Aires. Era um lugar mágico; fazia-nos ingressar num filme do passado", disse Hebe Piano, de 55 anos.
O salão senhorial foi inaugurado em 1917, tendo sido projetado pelo arquiteto belga Jules Dormal, criador do também célebre Teatro Colón de Buenos Aires.
Os donos esvaziaram a casa. Não encontramos mais as grandes cadeiras estilo Chesterfield, as mesas de mármore, os bilhares e as mesas de xadrez do subsolo: tudo desapareceu na madrugada de domingo em vários caminhões de mudança, contou o vigia de um prédio vizinho.
E assim acaba uma tradição numa das mais comerciais e turísticas ruas da capital, que soube cativar também escritores e intelectuais como Oliverio Girondo, Conrado Nalé Roxlo, Horacio Quiroga, Eduardo Mallea e Raúl Scalabrini Ortiz.
Integrantes da revista cultural Martín Fierro (1924-27), entre eles Borges, também eram conhecidos como Grupo Florida, porque a redação funcionava num escritório nessa mesma rua, a 150 metros da céelebre casa.
O Grupo Florida, com o olhar voltado para a Europa, manteve uma histórica polêmica sobre arte e literatura com o chamado Grupo Boedo, que se reunia no bairro homônimo, e mais identificado com a realidade social argentina e as lutas operárias.


Gente, tá errado! Tô muito triste. Não podemos deixar isso acontecer.
(Fonte: pernambuco.com)

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